quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

VIOLÊNCIA: REALIDADE E FICCÇÃO

Em princípio, toda proibição é burra. Serve, apenas, para acirrar a curiosidade. Mas, tudo bem, numa sociedade que se queira com um mínimo de civilização e civilidade, algumas regras precisam ser criadas e estabelecidas. Dentro do limite do bom senso, dos usos e costumes e, principalmente, sem fanatismos.

Um juiz proibiu e mandou recolher um determinado jogo de computador, por considerá-lo violento. E reacende o debate sobre o que nossos filhos podem ou não ver. Ou sobre o que nós mesmos, cidadãos responsáveis, ou não, podemos escolher para assistir. Um debate sobre liberdade e violência. Assuntos complexos, merecedores de muita, muita tinta, muita saliva e muitas desavenças. Porque não há e não pode haver versões únicas, absolutas.

Mas vou meter minha colher (de pau? Ou é minha cara que é de pau?) nessa encrenca.

Ora, um jogo de computador é só um jogo de computador. Por mais violência que ele pareça conter ou realmente contenha, é ficção. Como um filme, ou um romance. Ou uma peça de teatro. Ou uma pintura. Por mais realista (entre aspas) que sejam um filme, um romance, uma peça de teatro ou um quadro, não passam de criações ficcionais, de representações da realidade. Não são a realidade.

Já é folclore o quadro de Magritte com um cachimbo e escrito embaixo: ceci n'est pas une pipe (isto não é um cachimbo). Ninguém mais discute o que quis dizer o pintor, embora na época tivesse provocado mentes e, provavelmente juizes ansiosos por estabelecerem a tal realidade absoluta das coisas.

A representação da realidade não é a realidade, por mais que estrebuchem os profetas da moral. Lembro um livro, Os Sete Minutos. Trata-se do julgamento, muito do gosto estadunidense, de um livro, por ser considerado imoral e por ter, aparentemente, induzido um rapaz a cometer um crime. Nem vou comentá-lo, quem quiser que o leia. Mas, a moral da história, o que se julga é se é possível alguém cometer um crime influenciado por uma obra de ficção e discute-se, afinal, o que é pornografia e o que é arte.

Também se pode discutir o que é violência ficcional e o que é violência das ruas, dos programas jornalísticos de televisão que pedem vingança e não justiça por qualquer crime cometido, de certas letras de rap (rithm and poetry – ritmo e poesia, não é música, por favor! – não confundam as coisas!) que incitam à sexualidade precoce, à violência contra a polícia ou contra a sociedade... isso é mundo real, é realidade. Não o filme, não o jogo, nem um quadro de Goya, por mais assustador que seja, nem, principalmente, um livro ou qualquer outra representação artística.

Personalidades genética ou socialmente deformadas confundem, sim, realidade com ficção. Mas não com a ficção criada por outros: com a ficção criada em seus próprios pensamentos, por sua imaginação doentia. Não será uma obra de arte que fará com que um Champinha da vida saia por aí torturando e matando pessoas, ele já faz isso por índole, por desvios de caráter, por mil outras motivações.

Então, proibir um jogo de computador, por ser violento, vai contra não apenas a lógica, mas contra todas as evidências que por aí se podem achar. É mais ou menos como acreditar em fantasma – não existe, mas muita gente acha que já viu um. Achar que um jogo de computador pode incitar à violência é acreditar em fantasmas. E fantasmas já os temos aos borbotões nessa nossa sociedade complicada e cheia de preconceitos e idéias estúpidas, para concordarmos com mais essa idiotice.

Afinal, um juiz é só um juiz, não a representação da Justiça que, aliás, como todo ente metafísico, tem tanta existência real quanto os fantasmas que seus representantes criam, para impor suas idéias ultrapassadas e eivadas de moralismo mal-cheiroso.

Pra encerrar: não vou citar Caetano Veloso, porque não concordo que é proibido proibir.

Chega de proibições, não?


Isaias Edson Sidney

24.1.2008

Obs.: Permitida e, até, incentivada a divulgação, desde que citados o autor e, pelo menos, o blog

Veneno de cobra:

http://www.venenodecobra2003.blogger.com.br

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